Um dos temas mais investigados atualmente é a relação da saúde bucal com a performance esportiva, o que culminou com a criação da especialidade da Odontologia do Esporte no Brasil, em 2015. Culturalmente associada à boa saúde, a atividade física, de fato, ativa o nosso sistema imunológico, responsável pelos processos de reparo do corpo. Assim, quem faz exercícios de uma forma contínua e moderada tem respostas inflamatórias melhores devido à ativação saudável do sistema imunológico. O problema são os excessos. Uma pesquisa recente feita pela Universidade de Madrid, na Espanha, sugere que, enquanto a atividade física realizada durante o período de lazer previne a periodontite, os trabalhos braçais, como os realizados na construção civil, podem ter o efeito contrário sobre as gengivas.
A gravidade da doença periodontal está diretamente relacionada à redução da força muscular em flexões, abdominais e corrida, do mesmo modo como formas mais avançadas de periodontite estão associadas à redução da aptidão cardiorrespiratória. É uma via de mão dupla, portanto.
Além disso, atletas de alto rendimento, quando estão se preparando para competições ou em outro período de excesso de treinamento, têm maior chance de desenvolver doenças oportunistas como herpes, por exemplo, conforme explica Eli Luis Namba, Doutor e Mestre em Odontologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), especialista em Medicina e Ciências do Esporte pela Universidade Positivo (PR), presidente da Comissão de Odontologia do Esporte do CRO-PR e vice-presidente da Academia Brasileira de Odontologia do Esporte. “Isso é bem comum com a queda imunológica. Porque ele é exigido todo dia, ao máximo, então o sistema imunológico começa a trabalhar contra”.
Segundo Namba, os pontos de atenção devem ser observados também por não atletas, principalmente porque a definição do que é um exercício moderado ou intenso depende do metabolismo de cada indivíduo, e não necessariamente da atividade física praticada. No caso de pessoas que realizam atividade física aeróbica de alta intensidade, sendo elas esportistas ou não, uma das consequências é a diminuição na liberação de saliva. “Alguns artigos demonstram que corredores, principalmente no final de uma maratona, têm uma halitose mais cetônica, muito parecida com a de um paciente diabético”, esclarece Namba.
Isso acarreta um pH mais baixo na boca e torna o ambiente bucal propício para a proliferação de bactérias, que liberam substâncias que reagem com o esmalte dentário.
Assim, o indivíduo está mais suscetível a sofrer desgastes, como a desmineralização. Além da corrida, que ganha cada vez mais adeptos no Brasil, a musculação e o crossfit são atividades bastante populares que podem afetar a saúde bucal. Ambas geram a necessidade de trabalhos de isometria, ou seja, de força. “A gente recruta cadeias musculares da face para contrair outras cadeias. Tanto por isometria, como por estresse, há uma liberação maior de cortisol e uma tendência maior a desenvolver disfunções temporomandibulares. Isso aumenta também o risco de ter refluxo esofágico, assim como na corrida”, conta o especialista. Essa contração da mandíbula amplia o risco do desenvolvimento de trauma dentário, por exemplo. Ele próprio já recebeu alguns pacientes com essa condição, principalmente do crossfit.
Namba chama atenção ainda para uma mudança metabólica quando a pessoa começa a praticar exercícios como hobby, ou uma atividade física moderada. Essa mudança provoca o envelhecimento precoce dos dentes, hipersensibilidade dentinária e lesões não cariosas, que são as novas doenças da atualidade na Odontologia. “Hoje a gente atende menos cárie e mais doenças que vêm acompanhadas dessas mudanças de estilo de vida”, expõe Namba. “Apesar de a atividade ser de menor intensidade, quando comparada à praticada pelo atleta de alto rendimento, as consequências muitas vezes acabam sendo maiores devido à falta de acompanhamento. E, mesmo quando há um acompanhamento multidisciplinar, o atendimento não é interdisciplinar, porque o médico não conversa com o fisioterapeuta, que não conversa com o nutricionista, e isso dificulta o diagnóstico”, conclui.
OS “VILÕES” DA SAÚDE BUCAL – A questão metabólica também está relacionada a uma mudança no estilo de vida, muitas vezes acompanhada do início da prática esportiva, mas não limitada a isso. Entre os pontos dessas novas escolhas está a alimentação. Ao passo que há enorme preocupação com um famoso vilão da saúde bucal, o consumo excessivo de açúcar, pouca atenção é dada às modificações alimentares envolvidas na adoção de um estilo de vida mais saudável.
“A pessoa começa uma dieta, quebra a quantidade de refeições e não tem tempo suficiente para neutralizar o pH da boca. Porque ela está comendo a cada três ou quatro horas e coloca uma atividade junto, o que torna a saliva mais ácida”, aprofunda Namba.
O mesmo acontece com quem consome com maior frequência carboidratos, como a maltodextrina, suplementos proteicos e repositores minerais com pH baixo. Isso é algo comum entre os atletas, que também fazem dietas diferentes, dependendo da modalidade, ou até jejum intermitente.
Ainda segundo o estudo da UFSC, entre os açúcares, a sacarose em especial é a maior causadora da cárie, e seu consumo, em geral, é iniciado precocemente para as crianças e permanece presente com frequência durante toda a fase de infância. Ademais, a cirurgiã-dentista Eloisa, da Uniara, cita outros três já conhecidos vilões da saúde bucal que devem ser ressaltados aos pacientes: a falta de escovação, de contato com o flúor e da visita regular ao dentista. Por isso, é preciso cada vez mais investir em abordagens interdisciplinares, que enfatizem a compreensão dos mecanismos biopsicossociais envolvidos na qualidade de vida e na saúde bucal. Como elas são duas faces da mesma moeda, negligenciar uma afetará a outra.
Musculação e crossfit são atividades populares que podem afetar a saúde bucal.